domingo, 1 de junho de 2008

Para quem quer saber sobre a mudança na Língua Portuguesa, segue um artigo escrito pelo Professor Ernani Terra que esclarecerá suas dúvidas...

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Ernani Terra

Breve histórico

As tentativas de unificação do sistema ortográfico dos países de língua portuguesa não são novas. José Malaca Casteleiro, da Academia de Ciências de Lisboa, em recente palestra na Pontifícia Universidade de Católica de São Paulo, disse que a questão da unificação ortográfica é uma nova guerra dos cem anos. De fato, a primeira tentativa de unificação ortográfica da língua portuguesa breve completará um século, pois data de 1911.
No Brasil, adotamos o sistema ortográfico de 1943, simplificado pela Lei n. 5.765, de 18 de dezembro de 1971, que aboliu o acento diferencial das palavras homógrafas (com algumas exceções) e o acento grave e o circunflexo nas palavra derivadas de outras já acentuadas graficamente em que ocorrem os sufixos -mente ou outros começados pela letra z. Em Portugal, o sistema adotado é o do acordo de 1945 entre Brasil e Portugal, mas não ratificado pelo Brasil. Como os sistemas adotados no Brasil (1943) e Portugal (1945) são distintos, há diferenças ortográficas entre o português desses dois países. O sistema ortográfico brasileiro também diverge do adotado nos países africanos de língua portuguesa. Vale acrescentar, no entanto, que as diferenças não se restringem apenas a questões de natureza ortográfica: há também diferenças de vocabulário, de pronúncia, de sintaxe etc.
Há algum tempo, as tentativas de acordo restringiam-se a Brasil e a Portugal, já que as nações africanas de língua portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe) eram colônias portuguesas, e o Timor Leste vivia sob o domínio da Indonésia. Com a independência política das ex-colônias africanas e do Timor Leste, temos então oito países soberanos em que a língua oficial é o português, com uma população de mais de 230 milhões de pessoas, espalhadas em quatro continentes. A esse conjunto de países cujo idioma oficial é o português, damos o nome de Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aqui simplesmente chamado de Acordo, foi assinado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, e visa à unificação do sistema ortográfico da língua portuguesa. Estabeleceu-se que o Acordo entraria em vigor em 1.º de janeiro de 1994, após a sua ratificação por todos os países da CPLP. Como isso não ocorreu, o Acordo não entrou em vigor.
Em julho de 2004, numa reunião realizada em São Tomé e Príncipe, já com a presença do Timor Leste, foi aprovado por unanimidade que o Acordo entraria em vigor, desde que fosse ratificado por pelo menos três países da CPLP. Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe já ratificaram o Acordo. Portugal, em 16 de maio de 2008, ratificou o acordo. Face isso, espera-se que os demais países lusófonos o ratifiquem também. No texto do Acordo, está previsto a elaboração de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa “tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível”.
Em decorrência do Acordo, haverá modificações no sistema ortográfico. Mas não se deve entrar “em desespero” por causa disso! Há dois motivos: 1) as mudanças, para nós, brasileiros, são poucas; 2) num primeiro momento (vamos chamá-lo de “adaptação”), os dois sistemas ortográficos vão conviver: o antigo e o novo. Continuaremos a ler livros, jornais, revistas, legendas de filmes etc. escritos no sistema ortográfico antigo.
Nosso objetivo, neste artigo, não é apresentar o texto integral do Acordo, mas mostrar de maneira objetiva as principais modificações que ele introduz no sistema ortográfico, mostrando como era antes e como fica depois de sua vigência.

Letras k, w e y

Pelo Acordo, as letras k, w e y passam a fazer parte de nosso alfabeto. Quando a seu emprego, nada muda.
O emprego dessas letras, como era antes, fica restrito a alguns casos específicos:
a) grafia nomes próprios estrangeiros e seus derivados:
Darwin, darwiniano, Kant, kantismo, Byron, byroniano, Kuwait, kuwaitiano etc.;
b) siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional:
K (símbolo de potássio); W (símbolo de Oeste na rosa-dos-ventos); Km (símbolo de quilômetro); watt; K.O. (abreviatura de knockout, nocaute em português); www (sigla de world wide web, a rede mundial de computadores)
c) palavras estrangeiras de uso internacional:
show, sexy, hacker, megabyte, download

Trema
Pelo Acordo, o trema fica abolido.

como era
como fica
agüentar
aguentar
sagüi
sagui
freqüente
frequente
tranqüilo
tranquilo

Importante:
· O Acordo aboliu o sinal gráfico trema (¨), mas a pronúncia das palavras que recebiam trema nos encontros gue, gui, que, qui continua a mesma. Assim, o u das palavras da lista acima devem ser pronunciadas como antes: aguentar, sagui, frequente, tranquilo. Lembre-se de que se trata de um acordo ortográfico, ou seja, modifica-se a grafia, mas não a pronúncia das palavras, de sorte que se continuará a pronunciar as palavras da mesma maneira como eram pronunciadas antes do Acordo, apesar de a grafia ter sido alterada.

Acentuação gráfica
Hiato oo
O hiato oo não mais recebe acento circunflexo.
como era
como fica
enjôo
enjoo
vôo
voo
abençôo
abençoo
magôo
magoo

Verbos crer, dar, ler, ver (e derivados)
Não mais se emprega o acento circunflexo na terceira pessoa do plural do presente do indicativo dos verbos crer, dar, ler, ver (e seus derivados).

como era
como fica
crêem
creem
dêem
deem
lêem
leem
vêem
veem
descrêem
descreem
relêem
releem

Acentuação dos ditongos de pronúncia aberta éu, éi, ói
Os ditongos de pronúncia aberta éu, éi, ói recebem acento agudo na vogal quando ocorrem em palavras oxítonas ou monossílabos:
céu, anéis, dói, mausoléu, herói, pastéis
Nas palavras paroxítonas tais ditongos ocorrerem não mais recebem acento.

como era
como fica
assembléia
assembleia
idéia
ideia
heróico
heroico
jibóia
jiboia

Insistimos:
· O acento agudo dos ditongos abertos éu, éi, ói só desapareceu nas palavras paroxítonas. As oxítonas (incluindo-se aí os monossílabos tônicos terminados em éu, éi, ói) continuam recebendo acento gráfico.
chapéu, pastéis, herói, céu, dói etc.

Acentuação da letras i e u nos hiatos
Não se acentuam as letras i e u tônicas que formam hiato com a vogal anterior, quando precedidas de ditongo.
como era
como fica
baiúca
baiuca
boiúna
boiuna
feiúra
feiura

Observações:
· Nas palavras oxítonas, o acento se mantém:
Piauí, tuiuiú
· Para os demais casos, nada muda, ou seja, as letras i e u receberão acento agudo se ficarem sozinhas na sílaba (ou juntas com -s), vierem precedidas de vogal, e não forem seguidas de -nh:
saída, saíste, saúde, balaústre, baú, baús.
· Mas
rainha, bainha, tainha, campainha
sem acento gráfico porque a letra i vem seguida de -nh

Acento diferencial
Emprega-se o acento diferencial em:
a) pôde (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo poder) para distinguir de pode (terceira pessoa do singular do presente indicativo do mesmo verbo).
b) pôr (forma verbal) para distingui-la de por (preposição).
c) facultativamente, em: fôrma (substantivo) para distinguir de forma (substantivo ou verbo); dêmos (primeira pessoa do plural do presente do subjuntivo) para distinguir de demos (primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo) e nas formas da primeira pessoal do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação, para diferenciar da mesma pessoa e número do presente do indicativo: amámos, cantámos, estudámos (pretérito perfeito do indicativo).

Observação:
· Pelo Acordo, desaparecem os demais acentos diferenciais, como em:
pára (verbo) para distinguir de para (preposição)
pêlo (substantivo) para distinguir de pelo (contração)
pêra (substantivo) para distinguir de pera (preposição arcaica)

Em síntese:
Só há, em português, duas palavras que obrigatoriamente recebem acento circunflexo diferencial: pôr (verbo) e pôde (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo).

Emprego do hífen
O hífen (-) continua a ser usado nas palavras compostas, na ligação dos pronomes oblíquos enclíticos (colocados depois) e mesoclíticos (colocados no meio) ao verbo e na ligação dos sufixos de origem tupi:
couve-flor, segunda-feira, entregá-lo, entregá-lo-íamos, sabiá- guaçu
No entanto, as palavras em que se perdeu a noção de composição deverão ser escritas sem o hífen.
como era
como fica
manda-chuva
mandachuva
pára-quedas
paraquedas

Além disso, o Acordo estabelece que se emprega hífen:
1. Nos nomes de lugares iniciados por grã e grão, por verbo e naqueles cujos elementos estejam ligados por artigo:
Grã-Bretanha, Grão-Pará, Baía de Todos-os-Santos, Passa-Quatro, Trás-os-Montes
Os demais nomes de lugar, com exceção de Guiné-Bissau, devem ser escritos sem hífen:
Costa Rica, Nova Zelândia, Porto Alegre etc.

2. Nos compostos iniciados pelos prefixos ante-, anti-, auto-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pan-, semi-, sobre, sub-, super-, supra-, ultra- etc.:
a) quando o segundo elemento começa por h:
anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, pan-helenismo, pré-história, semi-hospitalar
b) quando o prefixo termina com a mesma vogal com que começa o segundo elemento:
anti-ibérico, auto-observação, contra-almirante

Observação:
O prefixo co-, quando se junta a outro elemento iniciado por o, não se separa por hífen:
cooperar, coordenar, coordenação

c) com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m, n (além do h referido anteriormente):
circum-escolar, circum-navegação, pan-africano
d) com os prefixos hiper-, inter-, super-, quando o segundo elemento começa por r:
hiper-requintado, inter-racial, super-realista
e) com os prefixos tônicos acentuados graficamente pós-, pré-, pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte:
pós-operatório, pré-escolar, pró-britânico.
Não se usa hífen:
a) quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s:
antirreligioso, antissemita, contrarregra, cosseno
b) quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente dela:
antiaéreo, autoestrada, coeducação
Quanto ao uso do hífen com prefixos, a modificação que o Acordo traz é a seguinte: não se usa mais o hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r, s ou vogal diferente.
como era
como fica
anti-religioso
antirreligioso
anti-semita
antissemita
contra-regra
contrarregra
contra-senha
contrassenha
extra-regular
extrarregular
extra-escolar
extraescolar
auto-aprendizagem
autoaprendizagem
auto-estrada
autoestrada

Uso de letras iniciais minúsculas e maiúsculas
1. Escrevem-se com inicial minúscula:
a) os nomes de dias, meses e estações do ano:
segunda-feira, sábado, domingo; janeiro, fevereiro, março; primavera, verão
b) as designações de pessoas desconhecidas ou que não se quer nomear:
fulano, beltrano, sicrano
c) os nomes dos pontos cardeais (mas não nas abreviaturas):
norte, sul, leste, oeste

Observação:
· Quando empregados para designar região, os nomes dos pontos cardeais devem ser escritos com inicial maiúscula.
Parou de chover no Nordeste.

2. Escrevem-se com inicial maiúscula:
a) os nomes de pessoas e lugares, sejam eles reais ou fictícios:
Humberto, Luciana, Marcos, Rapunzel, Bahia, Niterói, Atlântida, Cupido
b) os nomes de festas e festividades:
Natal, Páscoa
c) os nomes de instituições:
Senado Federal, Supremo Tribunal Federal
3. É indiferente o uso de inicial maiúscula ou minúscula:
a) em caracterizadores de logradouros públicos, templos ou edifícios:
Rua Direita (ou rua Direita), Avenida Brasil (ou avenida Brasil), Catedral de Brasília ou (catedral de Brasília), Edifício Itália ou (edifício Itália)
b) em formas de tratamento, expressões de reverência, designação de nomes sagrados:
Senhor Doutor Pedro da Silva (ou senhor doutor Pedro da Silva), Dona Lúcia (ou dona Lúcia), Santa Genoveva (ou santa Genoveva)
c) nomes que indicam disciplinas ou ramos do saber:
Matemática (ou matemática), Astronomia (ou astronomia)
Em relação ao sistema ortográfico anterior, o Acordo altera pouca coisa. Os nomes de logradouros públicos e os nomes que designam disciplinas, que, pelo pelo sistema antigo, eram grafados com inicial maiúscula, pelo Acordo podem ser grafados indiferentemente com inicial maiúscula ou minúscula.

Separação silábica
O Acordo mantém o princípio já utilizado de que a separação silábica deve ser feita, de modo geral, com base na soletração, e não com base nos elementos que compõem a palavra, segundo sua origem. Em decorrência disso, nada se altera quanto a divisão silábica das palavras.

Considerações finais
1. O Acordo propõe que sejam eliminadas as consoantes mudas (acção, excepção, reflectir etc.)
Tal eliminação proposta pelo Acordo, para nós, brasileiros, nada altera, pois, ao contrário do que ocorre na norma lusoafricana, já não grafávamos tais consoantes.
ação, atual, batismo, elétrico, exceção, projeto, refletir
2. Quanto às palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cuja vogal tônica admite mudança de timbre, o Acordo estabelece que elas terão dupla grafia.
acadêmico (ou académico), cômodo (ou cómodo), ingênuo (ou ingénuo), oxigênio (ou oxigénio)
Para nós, do Brasil, nada muda, pois continuaremos acentuando essas palavras com acento circunflexo, já que, na norma brasileira, a vogal tônica acentuada nessas palavras tem pronúncia fechada.
acadêmico, cômodo, oxigênio
Na norma lusoafricana, ao contrário, tais palavras têm pronúncia aberta.
cómodo, académico, oxigénio

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